Resumos das Comunicações

Os resumos aparecem com o nome dos comunicadores, em ordem alfabética.

Alejandra Rojas C. 
Tradução literária: literatura em movimento 

A intenção desta comunicação é estabelecer um diálogo e compreender a literatura traduzida como uma literatura em movimento, em trânsito, especificamente entre o Brasil e Chile. A referência para estabelecer tal diálogo é a tradução do romance “Tengo miedo torero” do autor chileno Pedro Lemebel e algumas crônicas, entre elas “O informe Rettig”, também de sua autoria. Sabe-se que um dos dilemas do tradutor é manter a contingência da própria língua ou deixar-se seduzir pela língua estrangeira com todas as consequências que isso implica. Vivemos numa sociedade que se move sob uma visão redutora e utilitarista que, muitas vezes, desconsidera outras lógicas, outras percepções que não se enquadram dentro da lógica positivista. Esta constatação, nos remete a uma indagação mais profunda sobre o complexo processo de tradução e a uma reflexão crítica da cultura e da influência dos processos históricos na produção artística e cultural. Nesse sentido, Nelly Richard, entre outros autores, torna-se uma das fontes esclarecedoras dos processos criativos que levaram a cena cultural chilena a buscar outras formas de expressão e a invenção de outros canais de crítica. Na tradução da obra de Lemebel, estes aspectos da reflexão devem ser considerados, sob pena de tornar a tradução etnocêntrica e hipertextual. Considerando este risco, se justifica como necessária a inclusão dessa reflexão que vai além de uma visão racionalista. Assim, esta complexidade se manifesta também na diversidade de “vozes” que falam de diferentes lugares: a voz do poder autoritário do ditador; a voz do guerrilheiro urbano; a voz do torturado, a voz das marginalidades sociais e de gênero, que se manifestam na voz homossexual que ecoa dos salões do governo ditatorial e na voz homossexual que ecoa dos porões da periferia e da pobreza.

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Ana Carolina Andrade Pessanha Cavagnoli
A Corrupção Materna no Romance Caribenho

O Caribe é um espaço geopolítico e social que favorece o estudo das novas configurações das subjetividades e das inter-relacionalidades em seu espaço de abertura – que acaba por ser um espaço fronteiriço. A identidade caribenha está assentada nessa zona de contato, no lócus fraturado que se constrói duplamente e se relaciona duplamente – para hospedar/interagir/dialogar com o outro. O Caribe recusa as configurações de centralidade e totalidade, mas abraça a fragmentação tanto pela insularidade como pela descentralidade das identidades que ali se relacionam. A teórica feminista Maria Lugones sugere um pensamento de fronteira feminista, afirmando que é no espaço de fronteira onde as interações coalitivas ocorrem e as sujeitas que lá estão resistem à colonialidade de gênero, assumindo, assim, a lógica de descolonialidade das feministas de cor. Se é no espaço fronteiriço que reside a diferença colonial, veremos, nessa lógica, a protagonista Tituba, se movendo entre o cá e o lá na geopolítica feminista de alianças e resistências. Foi a partir dos anos 70 que a literatura produzida por escritoras caribenhas se engajou num comprometimento de reimaginar a história das ilhas, retornando ao passado para recontar a própria história da região e, por este retorno, ir numa busca ao que supostamente seria o sentido de caribbeanness. Ao abraçarem o mito da ilha-mãe, escritoras caribenhas se identificam com a imagem maternal em suas obras, abordando temas onde a relação mãe-e-filha tendenciosamente surge impotente, traumática, e onde a corrupção materna é recorrente. Há uma fusão entre as imagens da mãe e da ilha, caracterizando narrativas de impossibilidade e acentuando uma resistência aos finais felizes, ao passo que dá visibilidade ao romance trágico, constituído por histórias que aparecem irresolutas, acarretando deslocamentos, exílio, rompimentos e hibridismos. Assim, surge a proposta de analisar a personagem Tituba, do romance de Maryse Condé, Moi, Tituba, sorcière… Noire de Salem (1988), traduzido pelo seu marido e colaborador, Richard Philcox, como I, Tituba, Black Witch of Salem (1994). Na recusa pela maternidade, Tituba comete infanticídio caracterizando a narrativa traumática de impossibilidade, ao mesmo tempo em que essa recusa é vista como protesto e escolha – feminista – que empodera a protagonista no contexto de escravização em que vivia.

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Anderson Caetano dos Santos
A construção de uma identidade negra nos contos “Incidente na raiz” e “Ah, esses jovens brancos de terno e gravata!” de Luiz Silva (Cuti). 

Este artigo tem como objetivo traçar um panorama sobre a construção de uma identidade negra no espaço urbano contemporâneo situado na cidade de São Paulo, com base nos pressupostos teóricos de Milton Santos (2006), a partir dos contos: “Incidente na raiz” e “Ah, esses jovens brancos de terno e gravata!”, localizado no livro “Negros em Contos” (2008) de Luiz Silva (Cuti). Esses contos configuram-se como um elemento transgressor por meio de uma unidade que estabelece uma tensão entre os discursos pré-estabelecidos e estereotipados da sociedade brasileira. Desse modo, os discursos de escritores e protagonistas negros podem inserir-se através desses contos, inclusive uma das especialidades de Luiz Silva, escritor afro-brasileiro que destaca a afirmação da identidade, a ancestralidade africana, mas também denuncia o racismo, a discriminação racial e a subcondição do negro na sociedade brasileira nas produções literárias dele. Também, percebe-se o conceito de “colonialidade do poder” de Aníbal Quijano (2005) como a episteme fundamental para a formação de hierarquias sociais e, consequentemente, as classificações entre os sujeitos considerados colonizadores (europeus) e os colonizados (índios, amarelos e negros) no contexto da América latina. Nessa linha, Abdias Nascimento (1967) e (1980), Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (2012) e Paul Gilroy (2012) trazem contribuições para o corpus estudado, debatendo a raça e a situação do indivíduo afro-brasileiro. Paralelamente, os estudos culturais por meio da escola de Birmingham na Inglaterra tem o intuito de trazer a classe operária e pessoas ordinárias ao seio das narrativas. Por último, percebe-se ainda de acordo com Stuart Hall (2006) e (2011), que esse sujeito está situado em um contexto, onde as consideradas minorias étnicas anseiam destacar a produção de seus saberes no transcorrer da história.

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André Rocha Leite Haudenschild
A invenção do sertão: a construção do imaginário social sertanejo na Literatura e na Música Popular Brasileira da segunda metade do século XX 

Sob o viés dos Estudos Culturais e da Literatura Comparada, a proposta do trabalho é problematizar as tensões que se estabelecem entre os meios rurais e urbanos da vida social brasileira, através de reflexões acerca das representações culturais do “sertão” e do “sertanejo” na literatura e na música popular brasileira da segunda metade do século XX. Trata-se de investigar a constituição de uma tópica que se propaga como uma longeva tradição temática em nossa literatura e em nossa canção popular: a invenção do “sertão”. Esse “sertão” que se cristaliza e se propaga há muitas décadas em nosso imaginário social como sendo um “lugar de memória” (Pierre Nora, 1993) físico e, principalmente, mítico e imaterial. Além disso, faz-se necessário compreender-se a construção da identidade do “sertanejo” enquanto “alteridade” (Edward Said, 2007), ao desconstruirmos as imagens positivas e negativas – míticas e estereotípicas – do “sertão” e do Nordeste: imagens formuladas e perpetuadas socialmente por uma cultura hegemônica ao longo das últimas décadas (Albuquerque Júnior, 1999). Assim, ao se entender as múltiplas representações do “sertão” na produção literária e musical das últimas décadas, entenderemos a importância desse topos na construção do imaginário social brasileiro: um lugar a partir do qual os discursos literários, poéticos e identitários se cruzam e se inscrevem nas diversas modalidades de nossa memória coletiva.

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Andréa Cesco
A literatura de Quevedo na visão e nas obras de Borges

Quevedo, segundo afirma Borges, é o “literato dos literatos” e para gostar dele é preciso ser um homem das letras; ninguém que tenha vocação literária pode não gostar de Quevedo. Com isso percebemos a admiração que o escritor argentino sentia pelo escritor barroco. Mas, causava-lhe uma grande surpresa o fato de Quevedo não ser valorizado e reconhecido como escritor universal, e não vincular entre os maiores literatos. Segundo Borges, os principais motivos disso é porque na sua obra, assim como na sua vida, não existia o sentimental, assim como não houve um personagem simbólico que tivesse marcado a sua obra, diferente de Cervantes, com o Quixote. É no barroco, afirma Borges, que a arte tende a ser paródia e se interessa menos pela expressão do sentimento que na fabricação de estruturas que buscam o assombro. Para Borges e Ayala, as melhores peças de Quevedo “existen más allá de la noción que las engendró y de las comunes ideas que las informan”. São objetos verbais, puros e independentes como a espada ou como um anel de prata (in Rico, 1983, p. 556-7). Pode-se afirmar também que Quevedo era presença constante na obra de Borges, pois este inclui referências das obras do escritor barroco na sua ficção, publica prólogos e resenhas sobre a sua obra e comenta seus versos em ensaios sobre poesia. Assim, esta comunicação objetiva, primeiramente, mostrar como Borges via o escritor espanhol e sua literatura, e também o quanto Quevedo era presença constante na literatura de Borges, entrelaçando-se uma a outra. Para isso, me apoio em Fernando Lázaro Carreter, Lía Schwartz, Julio Chiappini, Blas Matamoro, Jaime Alazraki, entre outros.

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Artur de Vargas Giorgi
Pó, polvo, povo: arqueologia da monstruosidade

Com alguma licença, quem sabe poderia ser dito que o povo – o que passa por sua definição, sua verdade, sua presença, seu ser ou seu ethos etc. – é aquilo que não cessa de não se escrever. Por isso, então, sempre retorna, e não pode senão retornar, a cada vez disputado pelos mais distintos agenciamentos do sensível. Ainda que certas experiências – políticas, estéticas, ideológicas – tendam a uma sorte de homogeneização do que viria a ser o povo, cristalizando-o quer seja a priori ou ainda como o resultado de uma suposta síntese multicultural que apaziguaria a sua radical heterogeneidade – vale dizer: seu aspecto monstruoso –, outros fazeres se inclinam em dar potência, justamente, para a sua diferença irredutível, sua singularidade; em suma, para o que resiste, como o que seria um resto ou um rastro indomesticável, mesmo diante das mais terríveis tentativas de obliteração, como aquelas conduzidas pela tanatopolítica das últimas ditaduras cívico-militares do Cone Sul. Este ensaio arma um breve itinerário que apresenta algumas experiências díspares, não necessariamente territorializadas, embora, sim, claramente situadas – Man Ray e Marcel Duchamp, Bioy Casares e Borges, Patricio Guzmán, Rosângela Rennó, Arthur Omar, Aline Dias, Gian Paolo Minelli etc. –, com as quais o sentido de povo se mostra sujeito a tensões que, afinal, franqueiam a sua abertura em direção a uma ética de leitura dos fenômenos culturais que se posiciona de modo crítico com relação ao consenso de uma contagem das vozes sempre desigual, excludente, mas pretensamente inclusiva e democrática. Como se sabe, onde há cinzas, há também pensamento.

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Beatrice Tavora
Quevedo y Villegas: a transformação de um autor em personagem no contexto hispano- americano

A criação de lendas populares em torno à figura dos escritores, assim como sua transformação de autor em personagem é um fenômeno constatado ao longo da história e em diversas culturas. Esse processo testemunha a recepção contínua de determinados autores, fato que transcende fronteiras espaço-temporais e viabiliza a configuração de novos gêneros. O escritor do Século de Ouro Espanhol Francisco de Quevedo y Villegas (1580-1645) é exemplo dessa metamorfose. Contemporâneo de Gôngora, Cervantes e Lope de Vega, Quevedo é considerado um dos maiores expoentes da literatura áurea que se destaca pela composição de sátiras cujos temas fundamentais dizem respeito ao governo, às profissões, ao clero, aos costumes e vícios daquela sociedade e que, de acordo com os críticos, se constituem no mais representativo ataque contra todo o sistema político-social do período de declínio da monarquia espanhola. Sua trajetória como personagem parece ter início alguns anos após sua morte, uma vez que no ano de 1684 já protagonizava uma série de romances. No decorrer do século XVIII e ao longo dos séculos seguintes, Quevedo passou a fazer parte de um repertório de trocadilhos, ironias e piadas presente em todo o contexto hispano-americano e vigente até a atualidade. Assim, neste trabalho, buscamos compartilhar alguns estudos realizados no sentido de compreender esse processo de transmutação, apresentando o percurso de transformação do Quevedo autor em Quevedo personagem e sua gradativa incorporação ao imaginário coletivo de diversas culturas, assim como a distintas tradições folclóricas em língua espanhola.

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Camila Bylaardt Volker
Fronteira e exploração da borracha em “Judas-Asvero”, de Euclides da Cunha

A abordagem de Euclides da Cunha sobre a exploração da borracha no início do século XX abriu espaço para reflexões que, à época, eram inovadoras no Brasil. A armadilha que transformou o homem vindo do nordeste para o Acre em alguém que trabalha para se escravizar está erigida sobre um complexo contexto de relações políticas internas – o programa de migrações para Amazônia incentivado pelo governo brasileiro, para sanar problemas das cíclicas secas no nordeste e da falta de mão de obra para exploração da borracha na Amazônia – e externas – a definição da fronteira com o Peru e a Bolívia. O artigo “Judas-Asvero”, de Euclides da Cunha, publicado em À Margem da História (1909), tem como mote a malhação do Judas no sábado de Aleluia, um ritual observado durante uma visita a um seringal no rio Purus. A partir dessa observação, o autor faz uma associação entre o seringueiro e a composição Judas-Asvero, operacionalizando categorias mitológicas para apresentar uma perspectiva da vida amazônica do migrante nordestino. A comunicação pretende, através do artigo “Judas-Asvero”, relacionar a caracterização do seringueiro como Judas e como Asvero à dinâmica política e econômica que estava em questão na fronteira a ser delimitada entre o Brasil e o Peru. Apesar da flagrante miséria dos migrantes nordestinos, que Euclides contrapõe ao sistema peruano, de exploração caucheira, a composição de Judas-Asvero faz com que o seringueiro transcenda a sua vida cotidiana, compondo uma imagem de vivência especial do tempo, que não se reduz a um aqui e agora de trabalho e miséria. A criação e a malhação do Judas performada pelos seringueiros relaciona-se também à própria composição estética que Euclides tece em torno do povoamento da região do Acre e das sínteses amazônicas que ele pretendia criar.

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Carolina Villada Castro
Escritas em espalhamento. A geopoética do espaço literário

Propomos um percurso pelas filosofias de Derrida e Deleuze através dos conceitos de différance, disseminação e geopoética, desdobrando uma crítica à tradição judeu-cristã e metafísica da linguagem em ocidente na base de sua violência genocida e etnocida; isto para instigar um pensamento da linguagem a partir da différance, isto é, como um movimento de diferir da diferença, propagando o fluxo alterador das alteridades que murmuram entre as línguas; movimento desconstrutor imanente a todo texto e, ao mesmo tempo, força disseminadora assinalando o potencial ético e poético do espaço literário enquanto espaço de afirmação, preservação e proliferação do fluxo alterador da escrita, tentando responder às alteridades que reverberam nele. Passagens necessários para esboçar finalmente alguns traços da geopoética do espaço literário contemporâneo, tais como: a diáspora pós- babeliana como acontecimiento imanente à escrita, o fluxo disseminador passando-se entre os traços em diferir em que se joga a criação literária e, assim, a produção do espaço descodificador das entre- línguas onde murmuram e renovam-se os agenciamentos coletivos de enunciação de multiplicidades sociais velhas e novas, históricas e intempestivas desterritorializando os territorios sobrecodificados e capturados pelo poder da geopolítica. Em suma, propomos um cruzamento entre pensamento e poética contemporâneas a fim de indicar toda escrita como um movimento de diáspora onde se afirma, ao mesmo tempo uma vida social não fascista, objetivo político da geopoética ao tornar o espaço literário em espaço de multiplicidades sociais e afirmando, assim, a responsabilidade com sua alteridade irreduzível.

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Celeste Martina Skewes Guerra
En busca de una nueva racionalidad ambiental: Diálogos y saberes de niños y niñas en América Latina

El presente trabajo es una reflexión teórica que buscar dar cuenta de la posibilidad de considerar a niñas y niños como agentes comunicacionales a partir de sus discursos y saberes en un contexto de conflicto socio-ambiental en América Latina. Igualmente, se busca proyectar esta discusión teórica para comenzar a pensar en cómo los diálogos y saberes infantiles que ocurren y se desarrollan en un contexto de conflicto pueden convertirse en un elemento clave para la reestructuación de las relaciones y situaciones sociales generadas a nivel local por las prácticas extractivistas, principal factor responsable de gran parte de los conflictos socio-ambientales que hoy proliferan en América Latina. Para esto, el presente artículo aborda dos aspectos teóricos: desde una perspectiva geopolítica: la naturaleza de los conflictos ambientales en el denominado “tercer mundo”; y, desde Comunicación para el Cambio Social: la posibilidad de que las niñas y niños sean considerados agentes comunicacionales a partir de sus los discursos y saberes. Enseguida, para ilustrar las posibilidades de trabajar estos temas desde las Ciencias Sociales se presentan trabajos etnográficos con niñas y niños realizados por investigadoras e investigadores en América Latina. A través de la presente propuesta teórica y las diferentes experiencias etnográficas presentadas, se pretende reflexionar sobre la importancia de considerar, desde las Ciencias Sociales, a infantes como actores sociales relevantes y así acercarnos a comprender desde las complexidades del mundo infantil, de qué forma las niñas y niños ven y expresan el mundo través de su lenguaje y prácticas, para comenzar a considerar esta mirada un posible elemento de análisis a considerar en futuros estudios de conflictos socio-ambientales.

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Claudia Renata Duarte
Repensando a ficção científica a partir de uma perspectiva descolonial

Duas questões são abordadas: a primeira discute de maneira geral o modo pelo qual a literatura de ficção científica é classificada; a segunda apresenta uma abordagem crítica dessa literatura que se apresenta como ficção científica feminista sob a perspectiva da filosofia pós humanista e feminista e da teoria do entre-lugar de Silviano Santiago, que fornecem instrumentos para uma reflexão sobre o pensamento da desconstrução do humanismo e sobre o descolonial e suas projeções imaginárias e estéticas. Esta análise se baseia no livro Universo Desconstruído, organizado pela escritora Lady Sybilla, publicado como primeira antologia de ficção científica feminista brasileira. Desta antologia serão abordados os contos: "Codinome Electra", de Lady Sybilla e "Eu incubadora", de Aline Valek. No primeiro conto, três personagens femininas vivem num futuro utópico, no qual as mulheres têm posições de poder, e todos convivem em igualdade, independente de raça, cor e orientação sexual. O segundo, ao contrário, apresenta um futuro distópico no qual após um desastre que dizimou grande parte da população, a humanidade formou uma sociedade catastrófica. Nesse cenário, numa extrapolação prognóstica dos atuais conservadorismos sociais e políticos, se configura uma realidade opressora para o sexo feminino. Percebe-se nesses textos uma tentativa de desconstrução dos papéis de gênero tradicionais da ficção científica. As autoras exploram as possibilidades dessa literatura fabulando futuros livres da discriminação e do preconceito. No entanto, seus textos apresentam vários limites temáticos e estéticos. Eles são, em larga medida, uma transposição em língua portuguesa de estereótipos do cinema hollywoodiano de ficção científica.

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Damaris Pereira Santana Lima
A perspectiva transdisciplinar em Hijo de hombre de Roa Bastos

No espaço que compreende a proposta deste evento, que vai do Caribe Andino ao Grande Chaco, situa-se a vida e obra do escritor paraguaio Augusto Roa Bastos (1917-2005), autor que, pode-se dizer, inspira este evento. O referido autor apresenta uma característica marcante no quesito interdisciplinaridade, afirmação que se comprova na sua obra e nas informações biográficas, as quais evidenciam que ele foi um intelectual que transitava pela literatura, teatro, música, cinema, etc., tendo como elemento preponderante a história do seu país. Hijo de hombre articula-se a partir de relatos da historiografia paraguaia do início do século XX, especialmente os conflitos políticos agrários nas primeiras décadas do século XX e a Guerra do Chaco (1932-1935). A narrativa denuncia a exploração econômica nos ervais, evidenciando a violência naqueles conflitos. Também retrocede ao século XIX, através das memórias de um dos personagens, o ancião Macario, homem-memória, que, na primeira parte da narrativa, recorda acontecimentos da ditadura de José Gaspar Rodríguez de Francia (1766-1840), conhecido como Dr. Francia, e fatos da Guerra Grande ou Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870). Ao transitar por diversos campos artísticos, Roa Bastos constrói um discurso igualmente interartístico. Foi compositor, roteirista de cinema, escritor de peças teatrais, poeta e, sobretudo contista e romancista. Além de pensar sobre o diálogo entre as artes, vale pensar esse diálogo na perspectiva da poética das variações, termo cunhado pelo próprio Roa quando diz que muitas vezes se encontrava retocando e corrigindo sua narrativa uma vez que corrigir e variar um texto pareceu-lhe uma aventura estimulante. Podemos pensar essa variação do romance Hijo de hombre em forma de roteiro de filme. O presente trabalho se propõe a apresentar o romance Hijo de hombre e o filme Hijo de hombre (La sed) sob a perspectiva interdisciplinar da contemporaneidade, analisando o diálogo entre o texto literário e o cinema.

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Denise Ouriques Medeiros
O atlas subjetivo como forma de poesia visual

Os espaços urbanos podem ser privilegiados pelos benefícios decorrentes das tecnologias disponíveis. Assim, o trabalho inovador que investe no capital intelectual é articulado aos processos criativos em geral e aos artísticos em particular, sendo isso fundamental na dinâmica da atualidade. Nesse contexto, o conceito de criação compartilhada, ou em cooperação, emerge em meio a um cenário repleto de possibilidades. Este artigo trata do conceito de atlas subjetivo, uma forma de cartografia emocional, e sua relação com a poesia visual, que tem como organizador o elemento visual, através da linguagem não verbal. O contexto dos estudos envolve a psicogeografia, a representação incomum e as impressões visuais. O termo atlas subjetivo foi cunhado pela designer holandesa contemporânea Annelys de Vet, trabalhando com a representação de identidades culturais e com a preocupação com o papel público do designer. O atlas subjetivo é um documento gráfico criado coletivamente que reúne as impressões visuais dos indivíduos sobre determinado espaço do território e suas características, concebendo objetos de representação incomum que ilustram e materializam outras concepções da realidade. Isso ajuda a estabelecer parâmetros mais democráticos de interpretação dos espaços e da realidade. Ele objetiva despertar a revolução a partir da atuação crítica e consciente no cotidiano. Cada impressão individual no atlas é urgente em seu próprio direito, pois pretende expor as conseqüências de mudanças políticas, discretamente, de forma implícita, e não como um objetivo em si mesmo. Detalhes podem vir a conter um grande significado. As conexões incomuns feitas no inventário visual pretendem revelar fatos que normalmente permanecem invisíveis, especialmente os ligados aos fenômenos sociais. O diálogo cultural que surge entre as várias impressões coloca a experiência pessoal em um contexto mais amplo. O atlas subjetivo pretende ser uma resposta humanista à crescente simplificação do debate político e da complacência do poder, contrastando, muitas vezes, com os meios de comunicação, com o que os livros mostram, e, acima de tudo, com uma realidade complexa que está além das imagens simplistas da mídia convencional. O documento gráfico é um modelo experimental que se constitui de uma seleção arbitrária de pontos de vista pessoais, mas significativos, de elementos que o indivíduo considera importantes na sua cultura. Assim, relaciona-se a chamada cartografia emocional com novas cartografias contemporâneas, considerando-se a necessidade da representação em forma de poética visual como meio transformador da ação no espaço.

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Diego Emanuel Damasceno Portillo
As poéticas selvagens de Cristino Bogado e Douglas Diegues

Cristino Bogado, editor e poeta paraguaio, e Douglas Diegues, editor e poeta brasileiro, apresentam formas semelhantes de inserção e atuação no espaço literário através de um esforço consciente e constante – o que até mesmo pode ser considerado panfletário – para legitimar seus respectivos trabalhos seja em entrevistas, performances, manifestos ou artigos veiculados em diversos meios de comunicação. As semelhanças entre eles se estendem para a poesia de cada um, já que enquanto poetas ambos começaram coincidentemente a publicar em meados de 2002 e, desde então, seus trabalhos tem se caracterizado pela reelaboração do cotidiano através de uma língua-movimento, de uma língua fruto da invenção pessoal: o poro’unhol para Bogado e o portunhol selvagem para Diegues. Estas duas línguas-invenção indomadas servem de analogia para a expressão poética do cotidiano situado em um ambiente periférico e, aparentemente, indomado, ou seja, tão selvagem quanto à língua, esteja ele associado à vida em Lambaré no Paraguai ou em Ponta Porã no Brasil. A presente comunicação buscará, assim, aproximar as poéticas de Cristino Bogado e Douglas Diegues apontando semelhanças e diferenças entre os trabalhos de cada um, ressaltando, assim, regularidades que constroem um certo imaginário de pertença múltipla associado às literaturas escritas em portunhol, seja ela feita a partir do lado brasileiro da fronteira ou paraguaio. Ainda buscará analisar, de forma breve, as possibilidades de renovação da linguagem e novas formas de expressão poética que os autores afirmam emergir com as literaturas em portunhol. Para tanto, além dos poemas, entrevistas e artigos dos autores em questão serão citados e igualmente analisados quando necessário, tendo como baliza as contribuições críticas de Néstor Perlongher, Myriam Ávila, Édouard Glissant, entre outros. 

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Eduardo Alves dos Santos; Márcio Rogério Plizzari
A abordagem comunicativa e o trabalho com leitura literária em um contexto de estágio supervisionado em língua espanhola

Quando se pensa no trabalho em sala de aula, se faz necessário que o professor tenha uma posição reflexiva em relação ao modo de ensinar para que a relação professor-aluno e o processo de ensino e aprendizagem como um todo se realizem de modo satisfatório. No presente artigo, apontamos para aulas de espanhol desenvolvidas durante o terceiro período de estágio supervisionado em língua espanhola dentro do Curso de Letras da Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Realeza - PR, as quais se desenvolveram a partir da relação entre literatura e sociedade como conteúdo central, utilizando-se do enfoque comunicativo como perspectiva metodológica. Foi trabalhado no estágio de língua espanhola o enfoque comunicativo visando um envolvimento maior com a turma desde o começo das aulas até o processo avaliativo, que se deu, como o enfoque orienta, por meio do processo evolutivo da turma. No texto, nos voltamos para o desenvolvimento desse período de estágio supervisionado, analisando-o a partir dos objetivos propostos para as aulas e os resultados construídos. Atentamos para questões teórico-práticas condizentes com o conteúdo (voltado para a leitura literária) e ao método de abordagem do mesmo. Quanto à literatura, utilizamo-nos do pensamento de Terry Eagleton para, se não definir o conceito, ao menos construir uma perspectiva que nos foi útil para o trabalho com a mesma no contexto de sala de aula. Além disso, em meio às reflexões destacamos a importância que concebemos a esse período da formação docente, um espaço/tempo de se relacionar teoria e prática em meio às problemáticas do contexto de sala de aula e do ambiente escolar.

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Elaine dos Santos Arcanjo de Miranda; Juliana Leal
A cor da pele na poética de Adão Ventura

Considerando as investigações nas áreas dos estudos literários de produções poéticas de escritores negros brasileiros, a pesquisa intitulada “O corpo negro na poética de Adão Ventura”, resultado de um trabalho de iniciação científica Pibic/CNPq realizado na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e coordenado pela professora Dra. Juliana Leal, se justifica enquanto possiblidade de valorização dessa produção em particular, promovendo o interesse pelo seu estudo e leitura. O objetivo central deste trabalho foi o mapeamento das figurações do corpo negro construídas pelo poeta Adão Ventura, nascido em Santo Antônio do Itambé, Vale do Jequitinhonha/MG, nos versos dos poemas da antologia Costura de nuvens (2006). Figurações essas entendidas, principalmente, enquanto lugares de construção da identidade e da negritude do homem de pele negra. Apesar de ser possível identificar em Costura de Nuvens traços da história de sofrimento de homens e mulheres negras, suas dores, trabalho árduo e maus tratos experenciados, quase sempre vinculados à cor da sua pele, que muito contribuíram para sua identificação enquanto sujeito oprimido e silenciado, ditas figurações apontam também para um viés de resistência, de uma consciência da força do negro que luta por um “lugar ao sol” (VENTURA, 2006, p. 34), por “um arco-íris/ ou uma fresta/ de luz” (ibidem, p. 57). A referida pesquisa se fundamentou a partir de diálogos com Conceição Evaristo (2009), Luiz Henrique Oliveira (2010), Silviano Santiago (1982), Stuart Hall (2014), Zilá Bernd (1988; 2003) entre outros estudiosos que se debruçaram sobre os conceitos de identidade, entendida como categoria que “muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado” (HALL, 2014, p. 16) e negritude, enquanto movimento estratégico de “ruptura com um padrão cultural imposto pelo colonizador como único e universal” (BERND, 1988, p. 52). Considerar a voz negra nas produções literárias como espacialidade de luta para (re)tomada da posse daquilo que foi nomeado de forma distorcida, protagonizando quem a enuncia como participante ativo na (re)construção de sua identificação como sujeito sociocultural se faz necessário não somente enquanto estratégia pra enfrentar o “monologismo da historiografia oficial” (BERND, 2003, p. 18), mas em razão “de um presente que insiste, a partir da instauração de um racismo camuflado”, (BARBOSA, 1997, s/p) em anular sistematicamente o negro enquanto sujeito de direitos (enunciação(ões), participação, (re)criação (re)apropriação, circulação,...).

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Elvis Freire da Silva
O Peru como Utopia em O Paraíso na Outra Esquina de Mario Vargas Llosa

A literatura hispano-americana da atualidade se estabelece como uma reflexão sobre sua identidade e o papel das fronteiras reais e ficcionais na escritura. Tendo em vista esse questionamento sobre território e identidade, este trabalho tem como objetivo investigar a construção do Peru como um espaço imaginário na obra do escritor arequipano Mario Vargas Llosa a partir do conceito de utopia. Para isso, abordaremos uma obra exemplar dessa recriação, O Paraíso na outra esquina (2003), passando pelo conceito clássico de utopia, elaborado por Thomas Morus, até chegar à configuração do ideal utópico na América hispânica e sua formulação no romance estudado. Nosso trabalho será, assim, dividido em três partes. Inicialmente, traçaremos algumas noções gerais de utopia, tendo como base os trabalhos de Thomas Morus (Utopia, 1516), Carlos Fuentes (Eu e os Outros: ensaios escolhidos, 1989) e Eduardo Galeano (As Veias Abertas da América Latina, 2010). Em seguida, passaremos a tratar mais especificamente da produção literária llosiana, observando como a utopia, e o próprio Peru, se situam em sua obra, utilizando os estudos de Angela Maria Gutiérrez (Mario Vargas Llosa e o romance possível na América Latina, 1996), José Miguel Oviedo (Historia de la literatura hispanoaemericana 4, 2012) e Canclini (Culturas híbridas, poderes oblíquos, 1997). Por fim, nos debruçaremos mais detidamente sobre o romance alvo de nossa análise, considerando todos os aspectos contemplados anteriormente. À título de conclusão, podemos afirmar que o estudo dessas obras demonstra que a América, desde seu aparecimento aos olhos europeus, figura como uma espécie de espaço fantástico e distante e que tal percepção se desdobra até hoje, em uma relação de alteridade e diferença.

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Elys Regina Zils
As literaturas heterogêneas de J.M.Arguedas e E.A.Westphalen

A proposta dessa comunicação é discutir as tensões e debates ideológicos que oscilavam entre nacionalismo e colonialismo, ou cosmopolitismo e indigenismo, no cenário peruano. Longe de entender estas posições como irredutíveis, esta pesquisa se origina nas figuras do poeta Emilio Adolfo Westphalen e José María Arguedas. A obra heterogênea de Westphalen ao mesmo tempo que se apropria das novidades da modernidade artística, na elaboração de uma linguagem surrealista, busca uma singularidade que fez com que o poeta lograsse unir vida e poesia, cosmovisão andina e vanguarda. Esta postura condiz com o juízo de Mariátegui, pois, este afirmava que a literatura nacional deveria incorporar o cosmopolitismo mas conservar a identidade de seu povo. Para ele, a relação entre cosmopolitismo e indigenismo é condição para a criação de uma nova nacionalidade. A amizade com Arguedas foi um dos meios de aproximação de Westphalen com a concepção andina. Arguedas é considerado como um dos renovadores da literatura de inspiração indigenista. Sua obra El Zorro de arriba y el Zorro de abajo é uma das mais originais e emblemáticas da literatura latino-americana. Como mediador cultural, Arguedas narra as mudanças ocorridas em Chimbote. Esse microcosmo babélico é reconhecido pelo leitor através da polifonia de vozes e registos dos seus personagens marginais. Sua tradução cultural se sobressai revelando a sua heterogeneidade. Neste sentido, lembramos de Cornejo Polar, para quem o texto literário deveria ser visto como uma rede de inextricáveis relações com o histórico e sociocultural, devendo ser olhado como pertencente à realidade a que se refere. O sentido da obra literária dependeria da sua realidade, a qual, também deveria ser superada.

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Flávia Alexandra Pereira Pinto
Memória e diáspora africana: algumas considerações sobre a narrativa literária de Édouard Glissant

Nossa proposta discute as relações entre memória e diáspora africana a partir dos conceitos advindos dos estudos culturais e da crítica literária contemporânea. Para isso, procura-se rever as concepções de memória presentes nas reflexões de Maurice Halbwachs, Michael Pollak, Roland Walter, entre outros. Em seguida, relacionam-se esses conceitos à discussão sobre diáspora africana, cujas contribuições de Hall e Bhabha são fundamentais para que se possa relacionar memória e diáspora, analisando essa representação na narrativa literária de Édouard Glissant. A proposta é analisar as representações da memória e da diáspora africana na escrita literária de Édouard Glissant, especialmente no romance O Quarto Século (1986). Devem estar na pauta de discussões de nossa análise, além da ideia de reconstrução do ser humano enquanto corpo e mente enraizados na sua terra, a da descolonização da não-história, envolvendo a retificação das distorções históricas, de forma a problematizar a resistência à perda, expropriação e desterritorialização, o não-pertencimento cultural e identitário no espaço diaspórico do Caribe, representados na narrativa literária de Édouard Glissant. Deve ser levada em consideração, pontualmente, as diversas maneiras que os romances utilizam a memória oral para recriar referências necessárias na tentativa de reconstrução identitária através da memória e de um espaço dentro e entre-fronteiras, que atravessa territórios culturais compostos por múltiplas zonas de contato. Nesse contexto, faz-se necessário verificar, também, os efeitos ainda presentes da colonialidade e da crioulização nesses espaços e, como consequência, do pós-colonialismo.

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Joel de Souza
A Contiguidade do Território Sul-Americano e suas Implicações Socioeconômicas

A América do Sul é delimitada a leste e oeste, respectivamente, por dois oceanos: o Atlântico e o Pacífico. Ao norte, o mar do Caribe e o Panamá. A topografia da região tem como contorno principal, a cordilheira dos Andes, os planaltos Norte-Amazônicos e os planaltos e serras do Atlântico. As três principais bacias hidrográficas do continente são: a Amazônica, a do Orinoco e a do rio Paraná. Os grandes grupos que compõem a população sul-americana são de origem indígena, europeia e africana, sendo que, no caso dos índios estes se concentram em maioria no Peru, Colômbia, Equador, Bolívia e Paraguai. Desde o início do século passado, intensas ondas de imigrações aportam na região e mais recentemente, refugiados, sobretudo advindos de regiões de conflito ou devastação ambiental com ênfase para o Caribe, Ásia, Oriente Médio e África, o que somatiza o grande caldeirão cultural da região que já possui a maior integração linguística entre todos os continentes. Tal contiguidade geográfica e diversidade cultural se constituem em fator propiciador de oportunidades de cooperação socioeconômica, potencializando vantagens comparativas em um processo de inserção competitiva na economia global e regional, à medida que os gargalos educacionais, logísticos e energéticos sejam equacionados para adicionar valor e reduzir custos, estimulando e fortalecendo elos de comércio e investimento. O mapeamento de deficiências de infraestrutura, sobretudo de transporte e telecomunicações, além de itens com potencial de comércio, é fundamental para permitir um aumento do intercâmbio entre todos os parceiros da América do Sul. O desafio é complexo, mas o caminho do fortalecimento da integração transnacional se mostra como via essencial que conduz, efetivamente, a uma maior conexão e desenvolvimento da região com reflexos diretos sobre a sua população.

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Karin Helena Antunes de Moraes
Intersecções e sociedade em Cantata de Puentes Amarillos de Spinetta

Ao apresentar em 1973 o álbum Artaud, Luis Alberto Spinetta rompe não apenas com um padrão estético das capas de LP's, quadradas e uniformes ao propor uma ideia de transposição dos limites e de fuga das quadraturas refletidas em uma sociedade conservadora e politicamente inconstante, mas sobretudo, Artaud representa um novo marco para a poética do rock argentino. Este trabalho debruça-se sobre a canção Cantata de Puentes Amarillos e suas intersecções com a literatura e as artes plásticas propondo uma análise para além da música e de seus limites. A letra da canção que ocupa a sexta faixa do álbum é é altamente plástica e consegue aglutinar em si mais do que o poeta Antonin Artaud. A música remete também para as obras do pintor holandês Vincent Van Gogh em passagens como “Aquellas sombras del camino azul ¿dónde están? Yo las comparo con cipreses que vi sólo en sueños”. Os ciprestes são uma das marcas do pintor que os retratou em diversas obras. Entretanto, além da união intermidiática das artes, Spinetta retrata ainda a Argentina do início dos anos 70 instável e pós ditadura da autointitulada “Revolução Argentina”, um país mergulhado em conservadorismos e conflitos sociais. Embora o músico não faça nenhum tipo de menção direta aos diversos enfrentamentos e intervenções que marcaram o período de convulsões do país, não é possível dissociar a obra do contexto em que ela é criada e em Cantata de Puentes Amarillos se apresenta a sombra do Massacre de Ezeiza, um enfrentamento entre as alas da direta e da esquerda peronista que deixou centenas de feridos e um total de 13 mortos. Em sua longa melodia, podemos experimentar uma grande variação sonora, como se a canção fosse formada por distintas composições que se encontram para assim constituir a íntegra musical. A obra possui inspiração surrealista e encontrou nos livros Cartas a Théo de Van Gogh e Heliogabalo ou o anarquista coroado de Antonin Artaud seus principais referentes. Por sua proposta estética, crítica e poética Cantata de Puentes Amarillos é uma obra que permite diversas possibilidades de análise sonora, plástica e textual, é uma canção disruptiva que marca a canção popular argentina em um de seus momentos mais conturbados.

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Liziane Karina Menezes da Silva
A percepção estrangeira do hércules quasímodo euclidiano em La guerra del Fin del Mundo, de Mario Vargas Llosa

O presente trabalho visa investigar a construção do romance palimpséstico intitulado La Guerra del Fin del Mundo (1981), do escritor peruano Mario Vargas Llosa, como fundamental para a síntese não somente de formação do Brasil, mas também de toda América Latina. É importante salientar que, quando lançada tal obra, Vargas Llosa foi considerado um dos pioneiros a ultrapassar os limites de seu país, tornando esse fator um aspecto recorrente de toda a sua bibliografia. O escritor peruano aponta novas reflexões para a guerra de Canudos, revelando-se um romancista hábil, que utiliza magistralmente os recursos da descontinuidade cronológica e mudanças do foco narrativo para construir suas produções, além de dar uma importância significativa para a composição de seus personagens. A fim de cumprir com o propósito de nossa análise, dividiremos esse escrito em três partes. A primeira constará na problematização do conceito sobre identidade, baseada nos estudos culturais, para possibilitar uma elucidação acerca da construção da identidade sertaneja no romance corpus de nosso estudo. Neste ponto, escritores como Stuart Hall (2003) e Fernando Ortíz (1997) são fundamentais para sistematizar o signo da identidade à base da desterritorialização e da consciência latino-americana. No segundo momento, buscaremos contextualizar La Guerra del Fin del Mundo dentro do que chamamos de Novo Romance Histórico, no qual revela-se um interesse por parte de alguns escritores pela temática histórica, na tentativa de construí-la sob um novo olhar, possibilitando uma proximidade maior com a nossa realidade, através de uma postura mais questionadora sobre o passado. Os apontamentos de Menton (1992) e Lukács (2011) são essenciais para compreendermos como se dá esta relação entre história e literatura dentro do romance em estudo. À guisa de conclusão, fixaremos nossa investigação num ponto fundamental: a perspectiva estrangeira de Mario Vargas Llosa sobre a Guerra de Canudos, que dar-se-á partindo da consternação vivida pelo sertanejo dentro de um propósito religioso que edifica o homem, viabilizando, assim, a construção dos vários “hércules quasímodos”.

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Lucas Sidnei Carniel
La tela narrativa onettiana: el cuento/capítulo “Justo el Treintaiuno”

La narrativa del escritor uruguayo Juan Carlos Onetti (1909-1994) tal vez sea una de las máximas representantes de la literatura de Latino América en el canon literario universal. Liliana Reales (1986) considera que la literatura de Onetti, siendo profundamente nacional, como la de Jorge Luis Borges, es, también, profundamente universal, "inserindo-se nos momentos mais complexos e criativos da literatura universal" (p. 09). Escribiendo novelas y cuentos, Onetti ha logrado éxito en crear un mundo fantástico y abstracto, dotado de una estética personal y conceptos propios, especialmente cuando crea la ciudad de Santa María, escenario de la mayoría de sus historias. Allí los personajes Brausen, Larsen, Medina, Jorge Malabia, Frieda, entre tantos otros viven bajo una atmósfera real pero al mismo tiempo fantástica. El presente artículo se dedica a investigar una ínfima parte de la producción literaria del autor, leyéndola como una tela narrativa, en la cual desde el primer cuento "Avenida de Mayo Diagonal Avenida de Mayo" hasta la ultima novela Cuando ya no importe están de alguna manera relacionados. De esta tela, elegimos dos textos que de tan semejantes parecen ser el mismo: el cuento "Justo el Treintaiuno", publicado en el periódico Marcha, y el capítulo VIII de la novela Dejemos Hablar Al Viento, "Justo el 31". A pesar de llevaren prácticamente el mismo título e incluso una narrativa muy semejante, los consideramos textos distintos, dados los contextos de publicación, público lector y suporte de publicación. En el trabajo, también enfocamos otros textos del locus onettiano que sufrieron el proceso al que la teórica Ana Carolina Teixeira Pinto (2007) considera un trasplante de órganos.

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Luciano Melo de Paula
A representação da Guerra do Paraguai na literatura brasileira

A Guerra do Paraguai – ou Guerra do Brasil, ou Guerra Grande, ou Guerra da Tríplice Aliança, dependendo da posição adotada nas fronteiras o evento pode mudar de nome – foi o principal e mais sanguinário conflito envolvendo os países do Cone Sul: Brasil, Uruguai e Argentina, unidos sob a Tríplice Aliança, contra o Paraguai. Estalou em dezembro de 1864 e seguiu até março de 1870. Uma questão extremamente curiosa em relação à Guerra do Paraguai é a variedade de versões que dela se contam nos inumeráveis livros de História. Este conjunto historiográfico é tão grande quanto contraditório. Não há versões coincidentes sobre as causas da guerra, o número de mortos, a sua longa duração e as consequências para os envolvidos, sejam eles vencidos ou vencedores. Se a historiografia é farta e contraditória, no âmbito da literatura a situação não é muito diferente. Só que neste caso, a contradição não é um problema considerado tão grave quanto naquele. A Guerra do Paraguai foi tema de produções literárias desde o seu início, hoje, passados 150 anos do primeiro tiro, o volume de publicações continua com fôlego alentado. Há poesia, drama, narrativa, conto, ensaio, memórias. A lista completa é grande, mas como ilustração, começamos com os poemas de Castro Alves nos recitativos para angariar fundos para os Voluntários da Pátria: “Pesadelo de Humaitá” e “Quem dá aos pobres empresta a Deus”; passamos por Iaiá Garcia, de Machado de Assis; por Dyonélio Machado e os contos de Um pobre homem; e, o mais recente O rastro do jaguar, de Murilo Carvalho. Quase todos os gêneros, com amplo destaque para o romance, contribuem para a formação deste amplo painel sobre o conflito e seu impacto no imaginário coletivo das nações envolvidas. A produção literária é tão farta e constante que se poderia afirmar que existe um ciclo temático literário sobre a Guerra do Paraguai, ciclo este que ocupa os vácuos que a historiografia não consegue ou não pode cobrir.

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Mara Gonzalez Bezerra
O Mito do Minotauro de Creta desde o México ao Rio de La Plata. Perspectivas de Tradução

O trabalho apresenta uma pesquisa inicial sobre a convergência do mito do Minotauro de Creta nas tramas das obras teatrais: Amor es más laberinto (1689) escrita por Sor Juana Inés de La Cruz os atos um e três e por Juan de Guevara o ato dois, ambos são mexicanos, pertencentes ao Período Barroco, inseridos no Século de Ouro espanhol e Los Reyes (1949) e com cinco cenas teatrais foi escrita por Julio Cortázar, argentino, escritor inserido no boom latino-americano para uma tradução literária. Pesquisar a literatura de lugares tão diferentes como o México e a Argentina, permite uma aproximação intercultural e geográfica para pensar sobre as estratégias tradutórias para cada texto. Serão discutidas como a pesquisa gera uma reflexão a fim de fornecer os elementos necessários para realizar a tradução a fim de que o texto também cumpra seu papel de encenação (PAVIS, 2008) e os comentários são realizados desde os pressupostos de Berman (2014). A pesquisa é importante para antecipar o trabalho de tradução e apontar para as dificuldades e os problemas, já que traduzir é uma atividade humana e passa obrigatoriamente pela bagagem do tradutor assim o cuidado está não ceder ao etnocentrismo fugindo de modelos domesticadores. Os personagens da peça têm um ponto em comum: a princesa Ariadne e o seu fio são a solução do mistério da saída do Labirinto! A trama conduzida por um fio traz a lembrança como um símbolo da fragilidade humana. Os comentários demonstram as divergências no drama desenvolvido em cada uma das peças. Tanto Sor Juana como Cortázar mantêm características do mito a fim de que o leitor familiarizado com a mitologia reconheça os personagens, mas se surpreenda com o drama desenvolvido.

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Maria Lúcia Corrêa Neves
Evitando o estereótipo da cultura geracional na percepção do comportamento social organizacional

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada para responder à seguinte questão: como a produção acadêmica trata o comportamento social e organizacional das novas gerações no mundo do trabalho? A discussão contribui para o aprofundamento do assunto que, muitas vezes, é abordado com base em estereótipos geracionais de culturas diferentes. No Brasil e, também, em outros países da américa latina, as publicações que abordam o suposto conflito de gerações no mundo do trabalho ou as características do trabalhador denominado de “geração y”, repetem o conteúdo dos textos estadunidenses, importando, inclusive, a classificação utilizada para segmentar gerações, definida com nomenclaturas e datas baseadas em eventos representativos para aquela cultura. A pesquisa realizada em bases bibliográficas viabilizou as seguintes considerações: (1) nos países do hemisfério sul, de forma geral, o grupo da mesma faixa geracional denominada de “Geração y”, não tem identificação com os traços tradicionalmente mencionados nas publicações; (2) a maioria dos estudos realizados sobre o tema, atesta existir mais diferenças de comportamento social organizacional dentro das gerações do que entre elas; (3) as metodologias de pesquisa encontram dificuldade para atrelar diferenças de comportamento à fatores geracionais; (4) mesmo os estudos acadêmicos que concluem pela existência de diferenças geracionais, sinalizam características diferentes e até mesmo contraditórias, e (5) os agentes interessados na melhoria das relações no mundo do trabalho, devem evitar estratégias baseadas em estereótipos geracionais, atentando para relações culturais mais pertinentes.

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Marina Siqueira Drey
Jorge Amado em 1941-1942: exílio e militância na América do Sul

Em 1937 após a "ameaça vermelha", confirmada pelo fraudulento Plano Cohen, Getúlio Vargas, que não conseguia ocultar sua simpatia pelos paradigmas nazifascistas, anuncia o golpe do Estado Novo. Frente às manipulações do governo getulista, alguns intelectuais brasileiros autoexilam-se a fim de desertar do opressor regime, dentre eles, Jorge Amado. "Comuna" assumido, o autor aproveita o convite do Partido Comunista Brasileiro (PCB) para escrever uma biografia de Luís Carlos Prestes e parte para as cidades de Buenos Aires (1941) e de Montevideu (1942) para produzir o livro partícipe da campanha em prol da anistia do líder comunista, preso em 1936 no Brasil. Em 1942 "La Vida de Luís Carlos Prestes" é publicada e, após o governo brasileiro manifestar-se em apoio aos Aliados (União Soviética, Reino Unido e Estados Unidos), Jorge Amado retorna ao país. No entanto, o escritor cuidou de não levar consigo nenhum material, tanto de ordem investigativa, que coletou para escrever a biografia de Prestes, quanto de ordem pessoal, como correspondências trocadas com militantes do PCB e da Aliança Nacional Libertadora (ANL), algumas de natureza pessoal, outras de natureza pública. É este material que vira objeto da minha fala nesta comunicação, uma vez que o Núcleo de Literatura e Memória (nuLIME) da UFSC, o qual integro, recebeu a doação desta compilação feita por Rosa, na época, militante comunista brasileira que também encontrava-se exilada. Rosa procurou devolver a mala ao longo da vida ao autor, este a recusou e fez questão de silenciar este espaço de tempo, na medida em que advogava em favor de um comprometimento de sigilo com o Partido, que não cessou nem quando deixou de ser militante. Rosa faleceu e deixou para filha, Leonor, este Acervo que acabou sendo doado pela herdeira em 2012 para persquisa acadêmica. Assim, disponho-me a discorrer acerca destes documentos que tocam à rede de relacionamentos de Jorge Amado com outros membros da militância politica no período do exílio na Argentina e no Uruguai ao longo dos anos supracitados. Com isso, invisto em um outro olhar para esta rede de relações solidárias que se edificavam para além das tratativas políticas em questão.

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Mary Anne Warken Soares Sobottka
La Tirana: religião, rito e rebelião

Neste trabalho discutiremos a presença e características da festa La Tirana na narrativa Hijo del Salitre (1952) do escritor Volodia Teitelboim (1916-2008). Nessa obra chilena, que é registro de uma tragédia, o andino está presente e imerso na problemática das questões sindicais dos mineiros do salitre no início do século XIX. A festa La Tirana é uma festa de caráter religioso, um ritual intercultural, presente na fronteira entre Chile, Bolívia e Peru. A região de Tarapacá é território híbrido, local de mineração e exploração de uma terra que é rica culturalmente. A cordilheira dos Andes e o deserto, presentes na escritura de Teitelboim, atuam como personagens vitais e nos remetem ao andino. A persistência dos tambores bolivianos ao ensaiar a festa da Tirana reafirma a força de uma cultura e funciona também como ato rebelde que confronta o autoritarismo das classes dominantes. Nesse panorama, chilenos, bolivianos e peruanos tinham os mesmos direitos e sofriam juntos as penúrias de estar instalados em péssimas condições de trabalho. O antagonista do romance é o colonizador do século XX, investidores ingleses que extraem a riqueza mineral e exploram os trabalhadores por 16 horas diárias, pagam em fichas, e vendem o alimento para seus operários com preços elevados. Imersos em uma situação de miséria humana, prevalece a cultura andina em detrimento da nacionalidade. Estes seres humanos se encontram na Pacha-mama e na injustiça. O sujeito migrante aqui tem várias nacionalidades e é visto em uma mesma situação: a injustiça. Mas também nessa reunião se pode celebrar a cultura viva, que se renova e se nutre das migrações e intercâmbios culturais. La Tirana faz parte de um fenômeno social, é uma festa que funciona como narrativa e que entrelaça o mito, na chegada de uma nova Virgen, com o período histórico do salitre. É junto com a aparição de novos grupos sociais que ocorre a aparição de novos bailes religiosos festejados ainda no século XXI.

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Matheus Silva Vieira
Entre o próprio e o alheio: o dilema do escritor latino-americano frente à tradição

Sem tradição não há Literatura. A obra de arte é fruto de uma cultura, que, por sua vez, é fruto de uma civilização. A Literatura é símbolo desse amplo processo cultural. A cultura, por sua vez, é uma das formas que fazem com que determinada nação se singularize enquanto tal. A história da América Latina é, em grande parte, a história de uma violenta imposição cultural estrangeira. Os colonizadores, ao aportarem no território recém-descoberto, que depois fora batizado com a sutil alcunha de “Novo Mundo”, sabotaram as tradições aborígenes, em favor dos valores do “Velho Mundo”. Legaram-nos, pois, uma língua, uma religião e uma cultura que não eram nossas. É por isso que na América Latina o conceito de “fundação”, no tocante a Literatura, é bastante relativo, já que a literatura latino-americana surge como um dos frutos da imposição cultural europeia. Neste breve trabalho, objetivamos analisar a dialética conflituosa do escritor latino-americano frente à tradição a partir dos fenômenos de dependência, ruptura, assimilação e superação que marcam a produção cultural das colônias latino-americanas. Para analisar esses processos, usaremos como base de análise o Modernismo brasileiro, e o Modernismo e Vanguardismo hispano-americano. Nosso trabalho será dividido metodologicamente em três partes: a primeira é um rápido questionamento sobre a problemática da herança cultural em nosso continente; a segunda se ocupa com a análise dos movimentos de ruptura surgidos na América Hispânica; já a terceira é um levantamento sobre a contribuição dos modernistas para a afirmação do caráter nacional brasileiro, calcado na assimilação de padrões estrangeiros.

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Pedro Afonso Barth
Uma leitura de A imploração: a necessidade da oralidade e da fantasia na constituição da subjetividade

A importância e pertinência da obra de Roa Bastos se confirma quando verificamos as muitas possibilidades de leituras e interpretações de suas obras. O presente artigo tem como objetivo conduzir a uma possível leitura do conto La rogativa/ A imploração, pelo viés da Sociologia da Leitura. Por meio do conto, temos o objetivo de refletir sobre as relações entre infância, literatura e oralidade. Ancoraremos nossas reflexões em Pierre Bourdieu (2014), Michèle Petit (2008) e Elias Torres Feijó (2012). Pontuar tais questões em obras literárias hispano-americanas é duplamente importante, pois além de auxiliar na divulgação da literatura de países como o Paraguai, permite refletir sobre a universalidade das relações humanas e na importância da ficção na constituição da subjetividade humana. A narrativa do conto trata da trajetória de uma menina chamada Poilú, vítima da fome, da seca e da degradação, uma criança que não tinha o direito de vivenciar sua infância até encontrar um adulto que a apresentou a um mundo de lendas e magia. A mãe, seca de palavras e carinhos, tenta impedir a imaginação da filha e impõe o contato da criança com o universo das narrativas. A análise do conto demonstra o quão perigoso é a ausência de diálogo para construção da individualidade: Poilú era uma menina animalizada que vai despertando e tomando consciência de quem é, porém seu processo de autodescoberta é interrompido de forma trágica. Concluímos que o conto não somente denuncia a realidade da seca, do abandono da população à sua própria sorte, mas também, o dano irreversível que a ausência da oralidade, da fantasia, da imaginação causa aos indivíduos.

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Rafael Miguel Alonso Júnior
Visões do Brasil: Flusser e Zweig

A proposta da apresentação é expor um estudo comparativo entre duas “visões” – no sentido de projeção – a respeito do Brasil. Ambas são resultado do olhar analítico, descritivo e filosófico de dois imigrantes europeus que passaram por essas terras durante o século XX. São eles o austríaco Stefan Zweig (1881-1942) e o tcheco Vilém Flusser (1920-1991). A intenção da comunicação é cotejar criticamente a visão empolgada, de tom quase “turístico”, de Zweig em “Brasil um país do futuro”, com a visão não-pessimista, mas filosoficamente orientada, de Flusser em “Fenomenologia do brasileiro: em busca de um novo homem”. Zweig faz duas visitas ao Brasil, uma em 1936 e outra em 1941, ano da publicação de “Brasil...”. Flusser chega ao país em 1940 e aqui permanece por praticamente trinta anos, quando, desesperançoso com os caminhos políticos e intelectuais do Brasil, decide retornar à Europa. A primeira edição de “Fenomenologia” é publicada em alemão em 1994, mas se sabe que o livro foi redigido entre as décadas de 1960 e 1970. Em comum, os dois judeus carregam a marca da morte trágica: Zweig se suicida em Petrópolis-RJ, junto com a esposa, em 1942. Flusser morre de acidente de carro em 1991, quando retornava pela primeira vez à Praga desde que as tropas nazistas obrigaram-no a fugir da terra natal. O período de meados do século XX é marcado pelo avanço da tecnologia e pela transformação radical das grandes cidades brasileiras. Essas transformações colocam na parede o pensamento histórico: afinal, o que deveria fazer o Brasil, desenvolver-se progressivamente para equiparar-se o mais rápido possível às grandes “potências mundiais” ou refrear a velocidade do progresso, desviando-se do projeto moderno que começava a mostrar fraqueza na Europa e nos Estados Unidos? Zweig e Flusser escolhem caminhos diferentes frente a esse dilema.

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Roberto Ponciano
Neruda, um poeta múltiplo

Este trabalho visa demonstrar a dimensão plural do poeta chileno Pablo Neruda, poeta auto-biográfico e de poesia múltiple, que vai amealhar as influências modernistas e de vanguarda na Europa, incluindo a Geração de 1927 na Espanha, com sua militância política pessoal, primeiro na Guerra Civil Espanhola, depois no movimento comunista internacional, sendo assim, um poeta que viverá sua própria poesia, sendo personagem de sua própria história. O onírico, o surreal, o existencialista, o poeta experimental e o prosista auto-biográfico. Neruda vai mesclar sua poesia com a experiência histórica da Espanha e da Europa em guerra e da América Latina em luta pela libertação, assim, sua poesia se insere nos marcos de transformações políticas e estilísticas, sendo um poeta revolucionário em vários sentidos, no sentido militante, no sentido da forma e no sentido do conteúdo. Seu manifesto por uma poesia impura retrata uma forma nova de fazer poesia, em que não se restringe à arte a um utilitarismo realista, mas no qual a arte tem uma dimensão humana e plural. Neruda é um marco de renovação da poesia e da literatura latino-americanas, vanguardista, foi surreal e realista fantástico, antes que houvesse tanto um, quanto outro movimento, poeta não-conformista, passeou por todos os estilos, mas nunca ficou restrito a nenhum. Este trabalho antropofágico, de trazer para o Chile as influências poéticas mais avançadas da Europa e da América, como Walt Whitman, Lorca, Joyce, Ruben Dario, Baudalaire, Joyce, Antônio Machado, ao mesmo tempo em que colocava em sua poesia o cotidiano político e o sofrimento dos homens e das mulheres comuns, o faz um poeta único. Deste forma, o trabalho objetiva mostrar todas estas dimensões da poesia nerudiana.

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Rosane Maria
Uma alegoria sobre a caverna: narrativa, violência e memória em Augusto Roa Bastos

Este artigo discute a trajetória literária de Augusto Roa Bastos relacionada com a violência no Paraguai, resultante das duas grandes guerras – a do Paraguai e a do Chaco. Os efeitos da tragédia social e política estabelecem vínculos inegáveis entre Literatura e História, entre (auto) biografia e ficção. Porém, neste estudo se considera que, para além de debates teóricos sobre o gênero narrativo, a ficção roabastiana parece advir de um processo de memória irremediavelmente afetada pela violência. Dessa forma, neste estudo, a memória é entendida como processo de construção narrativa que permite aos distintos atores sociais alçar suas vozes e participar das batalhas de sentidos do passado. Ao compreendermos as memórias como objeto de disputa, passamos a considerar o sujeito como agente de transformação simbólica capaz de incorporar novas interpretações ao que passou. Contudo, os novos sentidos atribuídos à violência podem ser influenciados pelas relações de poder estabelecidas pela hegemonia que estão sempre presentes nos conflitos. A reflexão proposta se volta para o conhecido conto de Roa Bastos, “La excavación”, cuja leitura remete, em muitos níveis, a um processo cíclico, seja no plano da crítica à política corrente, seja no plano de construção do texto, seja no plano da memória e construção subjetiva do protagonista. Propõe-se, na discussão, que o caráter das memórias é construído e pode mudar os significados do ocorrido, dos silêncios e dos esquecimentos que fazem parte da história e que estabelecem novas expectativas para o que narra a história oficial. Para refletir sobre o conto roabastiano, busca-se suporte teórico sobre a memória em Paul Ricoeur e sobre a memória e a violência em Elizabeth Jelin e em Steve Stern.

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Thalita da Silva Coelho
Sherlock abre a mala: o acervo Jorge Amado 1941-1942

Esta pesquisa é decorrência de um acervo que foi doado à Profa. Tânia Regina Oliveira Ramos, coordenadora do nuLIME (núcleo Literatura e Memória) da UFSC, com aproximadamente 1.400 páginas de, sobre ou contextualizando Jorge Amado no (auto)exílio em 1941 (Buenos Aires) e 1942 (Montevidéu ). O objetivo da pesquisa é organizar o material e dar a conhecer o conteúdo desse acervo. Em um primeiro momento fizemos uma catalogação e breve descrição de cada documento juntamente com uma reflexão sobre a importância do arquivo para a história política do Brasil durante o Estado Novo. Atualmente estamos aprimorando a catalogação e aprofundando a descrição dos documentos. Esse arquivo pessoal nos permite entender lacunas biográficas e historiográficas da vida literária e pessoal de Jorge Amado, bem como o entorno político das sus relações pela vasta correspondência trocada entre seus companheiros de militância no Partido Comunista e guardadas por ele. Depois de algum tempo trabalhando com o Acervo Jorge Amado (1941 – 1942) aprendemos que aquele amontoado de documentos, organizados e catalogados por nós, representa uma infinidade de narrativas possíveis. Todos temos nossos arquivos pessoais daqueles a quem amamos. Mas e o processo de autoarquivamento? Seria uma esperança de que um dia alguém, amigo ou estranho, revisite aquilo que guardamos com o intuito de sentir nossa presença? Ou seria uma forma de guardarmos para nós mesmos a lembrança da pessoa que fomos? A rememoração pode despertar os mais variados sentimentos: angústia, amor, medo, dor, ódio, alegria, saudade. Mas só o esquecimento silencia e nega um passado. Jorge Amado parecia ter certo receio de ser lembrado como o homem que foi nos anos de 1941 e 1942. Lidar com o arquivo pessoal de uma só pessoa já pode ser tortuoso o bastante, o caminho se torna uma verdadeira corrida de obstáculos quando o arquivo passou por várias mãos e guarda a história de diferentes pessoas.

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Vássia Silveira
Portunhol selvagem: política e poética da transgressão

Este trabalho propõe uma reflexão sobre o Portunhol selvagem, termo cunhado pelo poeta brasileiro Douglas Diegues para designar a linguagem que serve de matéria ao projeto estético-literário desenvolvido pelo autor desde o lançamento de seu primeiro livro de poesia: Dá gusto andar desnudo por estas selvas, publicado pela Travessa dos Editores (Curitiba, PR), em 2003. Inspirado em ocorrências de fala na tríplice fronteira Brasil, Paraguai e Argentina, o Portunhol selvagem revela uma escrita que nasce do cruzamento e da mistura de diferentes línguas – especialmente o português, o espanhol e o guarani –, em uma operação antropofágica que subverte a norma, desarticula a noção de cânone e provoca desdobramentos culturais, políticos e sociais em espaços transfronteiriços. Um exemplo desses desdobramentos é a vinculação da produção literária de Douglas Diegues ao movimento cartonero – que surgiu inicialmente em Buenos Aires, em 2003, com o Coletivo Eloisa Cartonera. Nascido no Rio de Janeiro, em 1965, e criado em Ponta Porã, na fronteira do Brasil com o Paraguai, Douglas Diegues coloca em xeque, no contexto da literatura contemporânea latino-americana, as relações centro-periferia. A criação do portunhol selvagem a partir do cruzamento e apropriação de diferentes línguas, a ideia de constante movimento embutida nesta língua literária e a decisão de ir contra o mercado editorial tradicional evidenciam o teor de engajamento do projeto estético do autor que faz do espaço marginalizado da (trans)fronteira seu locus de enunciação, nos remetendo a pensamentos defendidos por nomes como Vicente Huidobro, Oswald de Andrade, Haroldo de Campos e Jacques Derrida.

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Weslei Roberto Cândido
Traduzindo Susy Delgado: uma estratégia de aproximação entre o Brasil e o Paraguai

A presente comunicação tem por objetivo discutir os caminhos da tradução do livro de relatos La sangre florescida, de Susy Delgado para o português do Brasil em uma edição bilíngue. A literatura paraguaia produzida por mulheres a cada dia é mais significativa. Entre essas escritoras e poetas, destaca-se a figura de Susy Delgado, conhecida mais por sua produção em versos do que por sua prosa. No entanto, a tradução do livro em questão apresenta uma prosista de grande vigor, que nunca abandona o estilo poético. Podemos classificar a prosa de Susy como poética, uma vez que lança mão de estratégias literárias típicas do gênero lírico. As digressões presentes em O sangue florescido, título do livro em português, levam o leitor por caminhos tortuosos entre uma memória afetiva da personagem Maria’i e algo que fica entre o sonho e o delírio. Essas sinuosidades e a poeticidade do texto de Delgado se convertem em barreiras para o tradutor, que tem de buscar caminhos para reproduzir o efeito lírico do texto original. Desta maneira, ao traduzir os relatos de Susy Delgado, procurei recriar a mesma sinuosidade e o efeito de delírio e sonho que o livro desperta na língua original. Também optei por manter as expressões em guarani no corpo do texto, sendo fiel ao original e destacando a importância dessa língua para o povo paraguaio, inclusive em sua cultura. Portanto, pretendo discutir como foi recriar o clima dos campos paraguaios em Língua Portuguesa, respeitando o estilo de escrita de Susy, que desafia o leitor a penetrar na psicologia de Maria’i e sua crise de pertencer ao sexo feminino, despertada pelo fluxo de sangue que inaugura sua “mancha de mulher” em meio ao machismo do Paraguai.

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Wilson Alves Bezerra
Em busca de poéticas fronteiriças: o portunhol na literatura latino-americana

Partiremos da noção do portunhol, anteriormente definido (Alves-Bezerra (2007) a partir de Maria Teresa de Lemos (2002)) como “sistematicidade sem sistema”, isto é, como funcionamento linguístico particular no qual os significantes das línguas portuguesa e espanhola ocorrem de modo concomitante e indistinto, produzindo efeitos de indecidibilidade e ambiguidade. Tal noção mostrou-se produtiva para a leitura e análise de textos literários que tematizam regiões fronteiriças, como é o caso de alguns contos do uruguaio-argentino Horacio Quiroga, como “Un peón” e “Los desterrados”, mesmo que o autor nunca tenha lançado mão do termo (cf. Alves-Bezerra, 2004, 2005, 2008). No presente trabalho, entretanto, buscar-se-á analisar a produção de alguns poetas latino-americanos contemporâneos que deliberadamente lançaram mão do termo portunhol para nomear total ou parcialmente sua produção lírica, buscando uma inscrição sob a alcunha desse conceito fugidio. Assim, serão analisadas poemas do argentino Néstor Perlongher (Poemas completos, 2014), do brasileiro Wilson Bueno (Mar Paraguayo, 1992) e do uruguaio Fabián Severo (NósOtros, 2014). Além de descrever os procedimentos com o portunhol em cada um, interessar-nos-á discutir de que modo se recoloca, a partir de tais obras, a discussão dos tópoi obsessivos de nossa ensaística (cf. Perrone-Moisés, 2007), quais sejam, os nacionalismos e a identidade latino-americana. Queremos nos perguntar, pontualmente, se o manejo desse funcionamento linguístico - o portunhol – pelos diferentes poetas pressupõe que classe de relação com discursos nacionalistas e identitários. Afinal, a indistinção do portunhol produz territórios de gozo ou também nativismos?